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Entenda como o projeto de lei antiaborto deve afetar vítimas de estupro

13 jun 2024 às 09:22
Por: Band
- Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Deputados federais estão em campanha para aprovar, sem debates ou consultas públicas, um projeto de lei que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gravidez ao crime de homicídio, mesmo em caso de estupro. A proposta quer alterar o Código Penal, que, desde 1940, não estabelece limite de tempo para realizar o procedimento em casos de abuso sexual.


O plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (12), em votação relâmpago, o pedido de urgência para votar o projeto antiaborto. Ou seja, o texto pode ser votado diretamente, sem ter que passar por comissões temáticas da casa, onde poderiam ser feitas audiências e outros ritos para analisar e debater a proposta.


A proibição é uma demanda da bancada evangélica e veio em resposta à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que suspendeu todos os processos judiciais e procedimentos administrativos e disciplinares derivados de resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM).


A resolução do conselho também dificultou o acesso ao aborto em caso de estupro e proibiu médicos de realizarem a assistolia. O procedimento, que consiste em injetar medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) nos casos de aborto legal acima de 20 semanas de gestação, e evita que o feto seja retirado do útero com sinais vitais.


Hoje, o aborto é permitido pela lei em três casos no Brasil: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto. O serviço deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

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Se o projeto – endossado por 32 deputados – vingar, meninas e mulheres que fizerem aborto após a 22ª semana de gestação estarão sujeitas a penas de até 20 anos de reclusão. O profissional da saúde que realizar a assistolia também pode ser condenado criminalmente.


A pena para vítima de violência sexual que engravidou e decidiu abortar poder ser maior inclusive do que a aplicada ao próprio estuprador. A pena para esses crimes vai de 5 a 10 anos de reclusão, quando a vítima é adulta, e de 8 a 12 anos, quando a vítima é menor de idade, de acordo com o Código Penal. No caso de estupro de vulnerável, quando a vítima tem menos de 14 anos ou não tem condições de reagir, a pena vai de 8 a 15 anos. E somente em casos em que o crime é praticado contra vulnerável e resulta em lesão corporal grave, é que a pena pode chegar a 20 anos – o tempo máximo de reclusão que a lei prevê para quem praticar o aborto.



"PL da gravidez infantil"


Segundo a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, o projeto em tramitação na Câmara vai agravar os casos de gravidez de meninas até 14 anos e revitimizar vítimas de estupro.


"Não é por acaso que os movimentos feministas e de mulheres vêm intitulando o Projeto de Lei 1.904/2024 de 'PL da Gravidez Infantil'", afirmou a ministra, em nota, em referência à campanha de ativistas e famosas nas redes sociais contra o projeto.


"Seja por desinformação sobre direitos e como acessá-los, exigências desnecessárias, como boletim de ocorrência ou autorização judicial; ou pela escassez de serviços de referência e profissionais capacitados, o Brasil delega a maternidade forçada a essas meninas vítimas de estupro, prejudicando não apenas o futuro social e econômico delas, como também a saúde física e psicológica", explica Gonçalves.


Meninas vítimas de violência sexual enfrentam, além do trauma em si, uma série de obstáculos para a realização do aborto. Os sinais da gravidez muitas vezes são detectados mais tarde, por falta de conhecimento do próprio corpo e de apoio da família. O acesso ao procedimento médico é uma saga à parte.


Apenas 3,48% dos municípios brasileiros têm serviço de aborto legal, explica Rebeca Mendes, advogada do projeto Vivas, que auxilia mulheres e meninas a terem acesso a serviços de aborto legal. "As poucas meninas que reafirmam que querem acesso ao direito ao aborto legal têm que fazer essa peregrinação. E se são meninas periféricas, pobres, que não têm condições financeiras para se deslocar, às vezes nem dentro da própria cidade, elas não chegam [aos serviços de atendimento] em tempo."


O problema se agrava em casos em que o agressor é também o responsável legal pela vítima. Isso faz com que os sinais da gravidez sejam identificados tardiamente – o que costuma ser feito por profissionais presentes na rede de proteção da criança, como a escola.


Apenas três hospitais realizam a assistolia fetal no Brasil. Eles estão em Minas Gerais, Bahia e Recife. Uma quarta unidade de saúde, o Hospital Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo, encerrou o serviço em dezembro de 2023.


Mendes aponta ainda que grande parte dos serviços não funciona, ou criam barreiras burocráticas para o procedimento.


Como aconteceu em Santa Catarina, em 2022, quando uma criança de 10 anos, vítima de estupro, descobriu a gravidez apenas na 22ª semana de gestação. Inicialmente, ela não conseguiu acesso ao aborto. A juíza que cuidou do caso enviou a criança a um abrigo para impedir a mãe de "realizar qualquer procedimento para causar a morte do bebê". A magistrada também pressionou a menina a dizer que suportaria ficar mais tempo com o bebê.



A cada dia, 38 meninas de até 14 anos viram mães no Brasil



Segundo dados do Ministério da Mulher, em média, 38 meninas de até 14 anos se tornam mães a cada dia no Brasil, de acordo com dados do SUS. Em 2022, foram mais de 14 mil gravidezes entre meninas com idade entre 10 e 14 anos no país.


Em 2022, o Brasil registrou cerca de 75 mil casos de estupro – o maior da série histórica, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Seis em cada dez vítimas eram crianças de até 13 anos, 57% eram negras e 68% dos estupros ocorreram na residência das vítimas.


"Ou seja, as principais vítimas de estupro no Brasil são meninas de até 14 anos, abusadas por seus familiares, como pais, avôs e tios. São essas meninas que mais precisam do serviço do aborto legal, e as que menos têm acesso a esse direito", afirma a ministra Cida Gonçalves.


O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou, em suas redes sociais, que o projeto "é uma imoralidade, uma inversão dos valores civilizatórios mais básicos. É difícil acreditar que sociedade brasileira, com os inúmeros problemas que tem, está neste momento".

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