As forças de esquerda e de centro da França conseguiram frear neste domingo (07) o que parecia inicialmente uma ascensão implacável da ultradireita no segundo turno da eleição legislativa antecipada, que decidiu a composição final da Assembleia Nacional, a câmara de deputados do país.
As primeiras projeções apontam que a aliança de esquerda Nova Frente Popular (NFP) e a coligação de centro Juntos, do presidente Emmanuel Macron, devem formar as maiores bancadas, ficando à frente da ultradireitista Reunião Nacional (RN), que deve amargar o terceiro lugar.
A NPF surpreendeu e aparece nas projeções com a maior bancada de deputados, entre 172 e 192. Em seguida, aparece a coligação centrista do presidente Emmanuel Macron, chamada Juntos, que deve perder menos cadeiras do que o esperado inicialmente, e ficar com entre 150 e 172 deputados.
As projeções indicam que as alianças táticas e o "cordão sanitário" articulado entre a NFP e o Juntos no segundo turno, somado a problemas envolvendo diversas candidaturas da RN, desidrataram a ultradireita na reta final do segundo turno.
Pesquisas logo após a primeira rodada, em 30 de junho, chegaram a indicar que a RN, liderada por Marine Le Pen, tinha chances de não só formar a maior bancada como alcançar a maioria absoluta na Assembleia Nacional. Mas as projeções deste domingo que a RN deve ficar até mesmo atrás dos macronistas, conseguindo entre 132 e 152 cadeiras.
Em disputa neste domingo estavam 501 das 577 cadeiras da Assembleia - 76 delas já haviam sido definidas no primeiro turno, em 30 de junho.
No sistema semipresidencialista da França, o presidente e os membros do governo são eleitos separadamente. Um presidente depende de um primeiro-ministro indicado pela Assmbleia Nacional para assegurar a governabilidade.
Para obter a maioria absoluta e poder liderar um governo estável, um partido ou coligação precisa de 289 das 577 cadeiras na Assembleia Nacional.
Ao longo da semana, a campanha do segundo turno registrou diversos episódios de violência contra candidatos e militantes de diversas matizes políticas. Em meio às tensões, o governo mobilizou neste domingo 30 mil policiais - 5 mil deles em Paris - para evitar possíveis tumultos depois da divulgação dos resultados. Em diversas cidades francesas, lojistas montaram barreiras em frente a vitrines diante do temor de violência e vandalismo.
Esquerda fortalecida
As projeções indicam que esse segundo turno foi mesmo da aliança de esquerda Nova Frente Popular (NFP), que reúne várias siglas que vão de social-democratas a comunistas. A aliança deve sair desta eleição com entre 172 e 192 cadeiras na Assembleia Nacional e formar a maior bancada da Assembleia Nacional, caso os números de mantenham na contagem final. Será um crescimento de no mínimo 50 cadeiras em relação ao pleito de 2022.
Ao convocar a eleição antecipada no início de junho, Macron esperava que divisões na esquerda que se acentuaram no último ano também jogassem a seu favor, mas os resultados mostram que até esse cálculo fracassou.
Em 2022, diferentes partidos, entre eles o populista A França Insubmissa (LFI), liderado por Jean-Luc Mélenchon, o tradicional Partido Socialista (PS), o Partido Comunista e Os Verdes se uniram numa aliança conhecida pela sigla Nupes.
A Nupes chegou a eleger 127 deputados em 2022, a segunda maior bancada, mas logo rachou por divisões internas.
Em 2024, para frustração de Macron, no entanto, os partidos da finada Nupes anunciaram rapidamente neste junho que haviam deixado suas diferenças de lado para disputar o novo pleito em conjunto, desta vez sob o nome Nova Frente Popular (NFP).
No primeiro turno, a NFP conseguiu cerca de 28% dos votos, elegeu 32 deputados e se qualificou para cerca de 400 disputas no segundo turno. A marca da NFP neste segundo turno foi ainda mais surpreendente porque a aliança acabou retirando no segundo turno mais de uma centena de candidaturas em disputas triangulares (quando mais de dois candidatos passam para o segundo turno) com o objetivo de reforçar concorrentes moderados mais bem posicionados para derrotar a ultradireita.
Macronismo encolhe, mas sobrevive
Em 9 de junho, Macron surpreendeu a França ao convocar uma eleição legislativa antecipada. Ao convocar uma eleição-relâmpago, com apenas três semanas de campanha até o primeiro turno, seu cálculo era usar o timing dos resultados da eleição europeia, no qual a ultradireita se saiu melhor, para sacudir o eleitorado, posicionar sua figura como a única alternativa viável contra o partido de Le Pen e ainda explorar divisões na esquerda.
Com isso, Macron esperava recuperar a maioria governamental centrista na Assembleia Nacional, perdida na última eleição legislativa, em 2022. Sem uma maioria de 289 deputados, o presidente vinha se deparando com dificuldades crescentes para avançar suas reformas. Com pouco menos de três anos de mandato presidencial pela frente, o prazo para que o presidente tentasse romper esse impasse vinha ficando cada vez mais estreito.
No entanto, a estratégia foi alvo de incredulidade até entre aliados do presidente.
O primeiro turno já havia sinalizado um derretimento do grupo de Macron, agrupado na coligação Juntos, que conseguiu apenas 20% dos votos, atrás da ultradireita e da esquerda. Projeções iniciais indicaram que a coligação do presidente poderia ser reduzida a uma bancada de dois dígitos na Assembleia Nacional.
Mas o grupo conseguiu reagir na campanha do segundo turno. As projeções indicam que a coligação deve garantir a eleição de entre 150 a 170 deputados.
O número não deixa de ser uma recuperação em relação as previsões pessimistas iniciais, mas mostra um encolhimento do macronismo, que ficará bem abaixo da marca da eleições de 2022, quando Macron havia conseguido eleger 245 deputados.
Com isso, o grupo de Macron deve cair para a segunda posição entre as bancadas da Assembleia, ficando atrás da aliança de esquerda NFP.
A marca é ainda mais baixa que a super maioria de 350 deputados que Macron havia conseguido eleger em 2017.
Ultradireita deixa escapar maioria absoluta
Os olhos neste segundo turno estavam especialmente voltados para a Reunião Nacional (RN). Segundo projeções, o partido deve garantir entre 132 e 152 das 577 cadeiras na Assembleia Nacional e formar a terceira maior bancada.
O número representa um recorde para a RN, que contava com 89 deputados na última legislatura. No entanto, o resultado deve final deve ficar bem abaixo da marca de 289 deputados necessária para garantir o controle da Assembleia.
Ainda assim, o resultado não deixa de ser uma marca histórica para a RN, a versão repaginada da Frente Nacional (FN), partido fundado em 1972 por neofascistas, ex-colaboradores nazistas e veteranos da Guerra da Argélia, entre eles Jean-Marie Le Pen, o pai de Marine. Por décadas uma força marginal na política francesa do pós-guerra, a ultradireita nunca chegou tão longe em eleições legislativas desde a fundação da Quinta República francesa, em 1958.
No primeiro turno, a legenda e uma facção aliada da direita tradicional conquistaram, somadas, mais de 33% dos votos, e elegeram 38 deputados. O RN se qualificou ainda para mais de 400 disputas de segundo turno, outro recorde.
Logo após o primeiro turno, em 30 de junho, pesquisas chegaram a apontar que a RN tinha chances reais de conquistar mais de 289 deputados. Com isso, a França poderia ter como primeiro-ministro Jordan Bardella, de 28 anos, o presidente nominal da RN e o indicado por Marine de Le Pen para o posto de chefia de governo no caso de uma vitória.
No entanto, a campanha-relâmpago de uma semana do segundo turno não foi frutífera para a RN. O bloco de Le Pen logo enfrentou problemas internos com algumas de suas candidaturas e ficar atrás em vários distritos conforme seus adversários se reorganizavam. Para impedir a RN formasse maioria absoluta, o centro macronista e a esquerda da NFP retiraram do segundo turno mais de duas centenas de candidaturas que concorriam entre si com a ultradireita em disputas triangulares (que tinham mais de dois candidatos no segundo turno).
Ao longo da semana, limitações do RN também ficaram evidentes. Quando Macron anunciou a convocação das eleições, a liderança da RN afirmou que estava preparada. Mas a campanha mostrou que o partido teve que se desdobrar para preencher muitas de suas candidaturas. A imprensa francesa logo revelou que alguns candidatos novatos que chegaram ao segundo turno haviam feito comentários racistas e antissemitas no passado. Uma das candidatas da RN na Normandia, por exemplo, já havia aparecido numa foto usando um quepe de oficial nazista.
Os episódios cercaram a RN de notícias na última semanas e levantaram acusações de que a legenda continua o mesmo partido extremista de sempre, e que as mudanças executadas por Marine Le Pen a partir dos anos 2010 para "normalizar" a legenda foram apenas cosméticas, e que, sob pressão, a ultradireita revela sua verdadeira face.