A Justiça Federal absolveu nesta quarta-feira (14) por falta de provas as empresas Samarco, BHP Billiton e Vale, acusadas pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana, ocorrido em 2015, que resultou na morte de 19 pessoas.
Foram absolvidas no total 22 pessoas, entre diretores, gerentes e técnicos das empresas, incluindo o presidente da Samarco, Ricardo Vescovi. A juíza do caso afirmou que havia "ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal" dos réus, e avaliou que houve uma "busca obtusa por culpados" durante as investigações.
O que disse a juíza
Em sua decisão, a juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho argumentou que "os documentos, laudos e testemunhas ouvidas para a elucidação dos fatos não responderam quais condutas individuais contribuíram de forma direta e determinante para o rompimento da barragem de Fundão. E, no âmbito do processo penal, a dúvida – que ressoa a partir da prova analisada no corpo desta sentença – só pode ser resolvida em favor dos réus".
Ela afirmou que, após analisar as "milhares de páginas" que integram o processo, tomou a "única decisão possível diante da prova produzida, convicta de que o exercício do poder punitivo em um Estado Democrático de Direito é subsidiário, fragmentário e não pode ser convertido em um instrumento de escape para a ineficácia das demais formas de controle social".
"Impor ao Direito Penal um papel central na gestão de riscos extremos nem sempre é útil, adequado e racional. Pelo contrário. Quando um risco se concretiza em uma catástrofe colossal, os esforços da investigação deveriam ser prioritariamente dirigidos a descortinar as razões de ordem técnico-científicas que determinaram o evento, para que ele jamais volte a ocorrer. Nesse sentido, a busca obtusa por culpados é incapaz de evitar outras tragédias e, dificilmente, desastres dessa ordem podem ser explicados, exclusivamente, pela conduta de alguns indivíduos", afirmou a juíza.
Ela lembrou ainda o acordo na esfera cível que obrigou a Samarco, a Vale e a BHP a se responsabilizarem pela reparação dos danos decorrentes da tragédia, que previa "um aporte bilionário de recursos".
Acordo prevê R$ 170 bilhões em reparações
O acordo, assinado no dia 25 de outubro, prevê que a Vale, a BHP e a Samarco devem pagar R$ 170 bilhões em reparações à população e ao meio ambiente afetados pelo desastre ambiental.
Desse valor, R$ 100 bilhões reverterão para a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Os recursos, divididos em parcelas anuais ao longo de 20 anos, serão destinados a iniciativas como reassentamentos, indenizações, recuperação da bacia do Rio Doce e obras de infraestrutura.
A verba será gerida pelo Fundo Rio Doce, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo este, o primeiro pagamento, de R$ 5 bilhões, será feito 30 dias após a assinatura do acordo.
Além disso, as mineradoras terão que destinar R$ 32 bilhões a ações de reparação já em andamento, como o reassentamento das comunidades mineiras de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo.
Pelos termos do acordo, as mineradoras terão que implementar um sistema de indenização para quem não conseguiu comprovar documentalmente os danos sofridos e que tenha ficado sem acesso à água potável. A medida deve beneficiar 320 mil pessoas, segundo estimativa do governo federal.
"Espero, com profunda sinceridade, que todos os atingidos que sobreviveram a esta catástrofe sejam justa e efetivamente reparados, consciente de que mesmo a mais vultuosa das indenizações já pagas será incapaz de compensar o que lhes foi tomado. Tampouco uma sentença penal condenatória proferida em uma miríade de incertezas poderia honrar a memória daqueles que perderam a vida em 05 de novembro de 2015", concluiu a juíza.
Julgamento em Londres pede R$ 230 bi
O acordo é fruto de uma negociação que durou dois anos e teve início ainda durante a gestão de Jair Bolsonaro. Ele saiu do papel apenas quatro dias após o início de um megajulgamento no Reino Unido contra a BHP, mineradora anglo-australiana acionista da Samarco, empresa que controlava a barragem de Fundão.
O caso, que tramita na justiça britânica desde 2018, é movido por 620 mil pessoas, 46 municípios e 1,5 mil empresas afetadas no Brasil, que pedem uma indenização de R$ 230 bilhões, numa das maiores ações coletivas da história.
O desastre de Mariana
O rompimento da barragem de Fundão aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, liberando no meio ambiente 44,5 milhões de metros cúbicos de lama tóxica, o equivalente a 13 mil piscinas olímpicas.
O dano se estendeu pelos dias subsequentes, quando outros 13 milhões de metros cúbicos continuaram escoando. Ao todo, os rejeitos percorreram 675 quilômetros, atingindo o Rio Doce, desaguando no oceano Atlântico e chegando ao Espírito Santo e sul da Bahia. Dezenove pessoas morreram.
Em 2016, Samarco, Vale e BHP assinaram um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) com a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e criaram a Fundação Renova, para reparar os danos causados pelo rompimento.