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Brasil vive desafio para controlar população de javalis

10 fev 2024 às 11:07

Ao encontrar um rastro de javali em uma propriedade rural no interior de Santa Catarina, os caçadores do Limpa Querência soltam os cachorros para rastrear o animal, considerado uma das 100 piores espécies exóticas invasoras do mundo. Quando os cães conseguem encurralar alguns indivíduos do bando de porcos selvagens, formado geralmente por um macho, algumas fêmeas e vários filhotes, os homens os abatem a tiros. Em 2023, o grupo de caça eliminou 237 indivíduos.


Os dados mais recentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mostram que 333 mil javalis foram abatidos entre abril de 2019 e agosto de 2021. Só em 2022, o número saltou para 465 mil. Após suspender novas autorizações para o controle da espécie em julho passado, para adequar as regras ao novo decreto sobre armas, as análises voltaram a ser realizadas no fim de dezembro.


Animal nativo da Europa e da Ásia, o javali tem causado estragos na fauna e na flora brasileira e prejuízos em propriedades rurais e pode se tornar um problema de saúde pública. De acordo com estudo recente da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a liberação da caça ao animal, em 2013, foi um verdadeiro tiro que saiu pela culatra: está contribuindo para disseminar ainda mais o animal pelo território nacional. Os últimos dados disponíveis mostram que o animal foi registrado em 2.010 municípios em 2022 – em 2016, eram 489.



Javalis se espalham pela ação humana


A pesquisa da UFPR, publicada no periódico 

One Health

, se baseou nos registros da existência do animal em todas as regiões e biomas brasileiros. "O javali está indo para onde tem caça, ou seja, sua disseminação é feita de forma criminosa. Não tenho dúvida, porque ele está 'saltando' pedaços de terra para aparecer só onde tem mais caça ou perto das fazendas de caça", afirma o médico veterinário Alexader Biondo, um dos autores do estudo.


Ele conta que fenômeno semelhante ocorre nos Estados Unidos. "Como o animal naturalmente caminha pela terra, seria preciso ter a notificação da existência dele em todos os lugares, espraiando-se como nuvem. Mas isso não acontece. Por quê? Porque eles caçam o macho e prendem. Então, soltam a fêmea em outros lugares e levam os filhotes para criar em casa e soltar em outros lugares", explica Biondo. Não por coincidência, esse espalhamento obedece à malha rodoviária, conforme ressalta o pesquisador.


No relatório final do chamado Plano Javali, do Ibama, fica claro que as autoridades ambientais estão cientes do problema. O texto, de fevereiro deste ano, coloca entre os principais desafios o controle das "vias de introdução e dispersão", citando "as criações clandestinas" e "a soltura para caça".


O documento também afirma que, embora possa "parecer paradoxal" é preciso reforçar "ações de combate a caça" e que urge provocar uma "mudança na percepção da presença do javali como oportunidade de lazer e seu uso como bandeira pró-caça e pró-armas".



Controlador ou caçador


André Corrêa dos Santos, de 39 anos, produtor rural de Capão Alto (SC), já sentiu os impactos dos javalis em sua propriedade. Em outubro de 2023, os animais comeram o adubo usado na plantação.


"Foi só uma vez. Mas, em janeiro, eles destruíram a plantação de milho do meu vizinho. Os principais prejudicados são os que têm lavouras de cereais, como milho, soja, trigo e feijão", relata.


Corrêa dos Santos integra a equipe Limpa Querência, com sede em Correia Pinto (SC), formada por 12 caçadores e 12 cachorros da raça Foxhound Americano. Quase todos os sábados, eles vão até uma propriedade para caçar javalis.


O caçador considera sua atividade como lazer. "A gente pode ir para o mato e não abater nada, mas volta para casa com energia recarregada. Claro que, quando tem um abate, é melhor. E também estamos ali para preservar a natureza. A maioria dos caçadores é produtor também e a gente sabe o que se passa no campo ou na lavoura".


O Limpa Querência continuou caçando em 2023 – o Ibama parou de analisar novas autorizações para adequar as normas ao novo decreto de armas. Além da permissão do órgão ambiental, é preciso ter uma declaração assinada (via gov.br ou em cartório) do dono da propriedade.



Risco sanitário


Registros indicam que os javalis foram trazidos ao Brasil no início do século 20, mas em pequena quantidade. A partir dos anos 1980, houve uma tentativa de promover criações comerciais de olho no mercado gastronômico de carnes exóticas. Não funcionou. O manejo é difícil, porque apesar de ser da mesma espécie do porco doméstico, se trata de um animal bastante agressivo.


Alguns ex-criadores decidiram soltar os bichos na natureza. Ao cruzar com o porco doméstico, ele deu origem a um híbrido geralmente chamado de javaporco. "São animais rústicos e violentos, têm uma hierarquia e andam em bandos. E, no Brasil, ao contrário da Europa, ele não tem predador natural", explica Biondo.


Onívoro, o bicho estraga a mata nativa e ataca ninhadas de animais. O javali chega a pesar 150 quilos, enquanto um cateto, porco-do-mato brasileiro, fica entre 15 e 30 quilos, e a queixada, entre 20 e 40.