No final do ano passado, o volante Fransérgio chamou atenção por rescindir um contrato na Europa e voltar ao Brasil só para cuidar do filho, que é autista. Nesta semana, em entrevista ao Band.com.br, ele contou que a atitude foi natural, porque no exterior já foi chamado de "doido" quando buscava o tratamento ideal para o Pedro. Porém, com muita luta, deu tudo certo: Fransérgio conseguiu uma boa terapia para o filho, recebeu proposta para jogar no Brasil e foi campeão estadual. Em abril, no mês da conscientização do autismo, contar a história de Fransérgio é a melhor forma de inspirar quem precisa lidar com o TEA (Transtorno do Espectro Autista).
"Nós, jogadores, às vezes não sabemos o poder que nós temos. Não temos a noção do que pode representar entrar com uma faixa do autismo, contra o racismo ou outras coisas. A gente consegue mover através do futebol. Isso é um dom que Deus me deu. Se o Pedro não viesse assim, não seria tão perfeito. Tem pessoas que podem ouvir isso e falar: 'O cara pediu um filho autista'. Não pedi. Mas Deus me deu assim, a coisa mais linda do mundo. Se não fosse assim, eu poderia não ter a família que tenho. Eu poderia não ser o que sou. Deus me deu uma missão e um dom. Não só de jogar futebol, mas de transmitir isso pra fora", explicou Fransérgio.
Diagnóstico do Pedro
Em dezembro de 2022, quando Fransérgio ainda jogava no Bourdeaux-FRA, ele saiu de férias e foi para o Mato Grosso, onde nasceu. Contou a um pediatra que Pedro tinha traços diferentes da irmã mais velha, Julia. O médico recomendou que Fransérgio investigasse melhor.
Ele tentou fazer isso na França, mas teve dificuldades, até por causa do idioma. E passou por uma suspeita que é comum para muitos autistas no processo do diagnóstico: "Nós até imaginamos que ele era surdo, porque a gente chamava o Pedro e ele não respondia". Mas essa dificuldade é uma comorbidade de muitos autistas.
A primeira oportunidade de voltar ao Brasil surgiu com o Coritiba. Ele foi contratado em junho de 2023 e conseguiu o tratamento ideal para Pedro: concluiu o diagnóstico de autismo em uma boa clínica e passou a fazer 10 horas mensais de terapias.
Não existe cura para o autismo. É um transtorno, não uma doença. Mas é possível melhorar o comportamento e controlar as comorbidades, por exemplo. No caso de Pedro, ele não é verbal ainda e às vezes tem crises em público. Mas estava evoluindo em todos pontos até que surgiu um problema.
Dificuldade em Portugal
O autismo não pode ser só romantizado. Existem muitas pedras no caminho. A maioria das famílias não consegue o tratamento ideal para crianças. Fransérgio destacou que seria importante o governo oferecer mais terapias gratuitamente. Mas até quem possui boas condições financeiras passa por dificuldades. Fransérgio é jogador de futebol e viveu problemas na Europa.
Em meados de 2024, ele e a família decidiram ir para Portugal, após receber proposta de voltar ao Marítimo, onde já tinha se destacado. Mas neste momento, começaram os problemas para Pedro.
"Em Curitiba ele estava em uma clínica boa e tinha uma rotina. O autista tem que ter uma rotina. Ele saia de manhã para a clínica, voltava, almoçava e ia para a escola. Chegava, andava de bicicleta e dormia cedo. Aí você vai para a Ilha da Madeira, em um apartamento pequeno e que não tinha nem como andar de bicicleta", comentou Fransérgio acertadamente. A rotina é importante para controlar a ansiedade dos autistas, outra comorbidade frequente.
E o mais chocante foi a descrição de um atendimento em Portugal: "Nós procuramos as clínicas, mas teve uma doutora que chamou a gente de doido. 'Mas como assim ele faz 10 horas de terapia? Não precisa, ele só precisa de uma boa escola'. E aí ele passou de 10 horas para 45 minutos semanais".
Para conseguir a terapia, os responsáveis precisam de um laudo assinado pelos médicos. Não adiantava só querer aumentar as horas de terapia. E rapidamente a família começou a perceber que Pedro regrediu: "O Pedro é uma criança amorosa e brincava muito com a irmã dele. Mas ele estava ficando muito nervoso e acabava brigando com a irmã. E a Julia é um anjo na vida do Pedro, uma criança incrível de 9 anos que cuida muito bem do Pedro. E até a Julia estava perdendo isso".
Fransérgio está casado há 17 anos. Ele descreve a esposa Tatiana como uma “super mãe”. Ela se dispôs a voltar ao Brasil com os filhos e deixar o volante terminar a temporada em Portugal, até metade de 2025. Mas ele se recusou. Pediu a rescisão de contrato imediata, no final de 2024, e foi compreendido. Fez um anúncio emocionante e ganhou uma despedida.
Retorno ao Brasil e título
Inicialmente Fransérgio nem planejava jogar no Brasil. O plano inicial era só voltar para o Mato Grosso e cuidar do filho. Mas logo veio a proposta do Operário-PR. Então Fransérgio consultou a “super mãe” e, juntos, acertaram que ela ficaria com os filhos em Curitiba, enquanto Fransérgio ia avaliar as possibilidades de tratamento em Ponta Grossa.
“Eu falei pra ela: ‘Se não tiver nenhuma clínica pro Pedro em Ponta Grossa, Curitiba fica a uma hora e meia. Você fica em Curitiba e eu faço esse bate e volta todo dia. Eu faço esse esforço pelo Pedro. O Pedro vai estar bem, porque a gente conhece as clínicas em Curitiba’. Mas Graças a Deus deu tudo certo. Arrumamos uma clínica muito boa aqui em Ponta Grossa. Arrumei uma casa muito boa também. E ainda calhou que em 4 meses a gente foi campeão", celebra Fransérgio.
Agora ele consegue participar da rotina do filho. Quando os treinos ou jogos não atrapalham, ele leva Pedro para as terapias ou para a escola. Cuida e brinca. Consegue ser a figura paterna que toda criança merece ter.
E ainda tem um alívio: muitos autistas têm alta sensibilidade auditiva, o que dificulta a ida para estádios. Mas Pedro não possui essa dificuldade. Normal. Nem todos autistas possuem as mesmas características. Então o garoto conseguiu ir para a final do Campeonato Paranaense e, neste momento, o jogador percebeu que tudo valeu a pena.
Assim como essa cena, o título do Operário também foi emocionante: depois de liderar a primeira fase, o "Fantasma" venceu três duelos nos pênaltis. Eliminou São Joseense, Londrina e Maringá dessa forma. Fransérgio disse que ficou impressionado com a mobilização da cidade durante e campanha e agora tem contrato com o clube para disputar a Série B. Há poucos meses ele pensava em parar de jogar. Agora Fransérgio tem um bom time pra jogar, um título e a conquista mais importante de todas: uma família em paz e feliz.